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A Infância Como Matéria-prima - Sobre o trabalho da artista plástica Lia Menna Barreto
Lia Menna Barreto, a gaúcha escolhida para a próxima Bienal do
Mercosul, cuja exposição pode ser vista na Bolsa de Arte, é uma menina
levada que estraga brinquedos. Ela desmonta, derrete, perfura e rasga,
mas também é uma mulher prendada que borda, tece, costura e cola. Para
quem assistiu ao filme Toy Story, ficará mais fácil compreender a
pueril comparação que vou fazer.
Neste são contrapostos dois meninos. O bonzinho mantém seus brinquedos
como vieram da fábrica. O mau transforma-os: produz brinquedos
sinistros numa espécie de oficina infernal, em que queima, explode,
combina e cria. A moral do filme é que estas incríveis criaturas, como
Frankensteins revoltados, odeiam o criador. O problema é que estes
brinquedos do menino mau são fantásticos, ímpares e corajosos,
enquanto o herói, um insosso astronauta de plástico, só sai de sua
crise de identidade quando descobre que o nome de seu dono bonzinho
foi escrito em seu pé. Lia é como este genial menino mau. Derretendo
com um ferro de passar roupa, ela pode transformar uma série de
brinquedos e flores de 1,99, em colchas e rendados desde onde olhos,
patas e cores disputam o privilégio de serem vistos. Cabeças de
bonecas ao avesso mostram a feiura de seus olhos saltados ou de ponta
cabeça servem de vasos em que nascem plantas no lugar de seus corpos
sem vida.
Brincar é corromper os objetos, dominá-los, subjugá-los ao nosso
texto. Quem não cortou os cabelos de uma boneca, não esquartejou um
personagem, não rasgou, derreteu, sujou, pintou, não brincou. Ao mesmo
tempo é importante que os brinquedos existam em sua forma original
para que sejam a seguir transformados. A boneca e o carro, por
exemplo, se prestam para dramatizar questões do feminino e masculino.
Todo o brinquedo contém uma série de referências das quais se pode
recolher a fatia que interessa para a ocasião. Quando crianças também
somos moldados, montados e desmontados ao bel prazer daqueles que nos
amam e criam. Por isso se diz que brincar é fazer ativamente aquilo
que sofremos passivamente, é um exercício subversivo por parte da
criança, que faz com os objetos o mesmo que fazem com ela. Lia sempre
ressalta o caráter afetivo de sua operação aparentemente macabra.
Talvez ela tenha razão, o calor do amor também sabe ser como o do
ferro de passar roupa que ela usa: derrete e deforma, nunca mais se
será o mesmo depois dele.
Diana Corso - texto disponível em https://lia-mennabarreto.blogspot.com/2014/11/a-infancia-como-materia-prima-sobre-o.html . Acesso 08/10/2024
| BOHNS, Neiva. dos objetos nascem objetos. 2003. Disponível em https://lia-mennabarreto.blogspot.com/2008/02/neiva-bohns.html . Acesso 08/10/2024
| COCCHIARALE, Fernando. Lia Menna Barreto. Galeria: Revista de Arte, São Paulo, n. 23, p. 82, 1990.